— É verdade, minha filha, o que este homem diz? — perguntou-lhe o pai.
— Assim é — respondeu Zoraida.
— Pois tu és cristã, e puseste teu pai em poder de seus inimigos?
— Cristã eu o sou; mas não sou quem te pôs nesse estado, porque nunca o meu desejo se estendeu a deixar-te nem a fazer-te mal, e somente a fazer-te bem.
— Mas qual é o bem que me fizeste, minha filha?
— Qual ele seja, pergunta-o a Lella Maryem, que ela melhor do que eu saberá responder-te.
Apenas ouviu isto, o mouro com admirável presteza atirou consigo ao mar de cabeça para baixo, e sem dúvida se afogara, se a roupa, por ser larga, o não embaraçasse e retivesse sobre a água.
Em altas vozes gritou Zoraida que o salvassem, e indo logo nós todos em seu socorro, agarramo-lo pela almalafa e tiramo-lo do mar quase afogado e sem sentidos, e isto tanto afligiu Zoraida, que derramou sobre o pai tão ternas e dolorosas lágrimas, como se ele já estivesse morto.
Pusemo-lo de pernas para o ar, e, lançando muita água pela boca, tornou a si ao cabo de duas horas, e mudando no entretanto o vento, foi-nos conveniente aproximarmo-nos de terra, fazendo toda a força de remos para não sermos arrojados contra a costa; mas quis a nossa boa sorte que chegássemos a uma enseada que fica ao lado dum pequeno promontório ou cabo, a que os mouros apelidam de cava rumia, o que na nossa língua quer dizer a má mulher cristã; e é tradição entre os mouros que naquele lugar está enterrada a cava por quem se perdeu a Espanha, porque cava na língua deles quer dizer mulher má, e rumia quer dizer cristã; e têm por mau agouro chegar ali a dar fundo quando a necessidade os obriga a isso, e sem esta nunca ali o vão dar; contudo para nós não foi abrigo de má mulher, antes porto seguro da nossa salvação, porque o mar andava muito alterado.