Mas o homem, que o conhecera por vizinho de sua casa, respondeu:
— Não conhece Vossa Mercê, senhor ouvidor, este cavalheiro, que é filho do seu vizinho, que se ausentou de casa de seu pai em trajos tão pouco decorosos, como Vossa Mercê pode ver?
Encarou-o então o ouvidor mais atentamente, e conheceu-o, e disse-lhe abraçando-o:
— Que criancices são estas, senhor D. Luís, ou que motivos tão poderosos, que vos obrigam a vir desta maneira, com trajo que diz tão mal com a vossa qualidade?
Vieram as lágrimas aos olhos a D. Luís, e não pôde dar palavra ao ouvidor, que disse aos quatro que sossegassem, que tudo se faria por bem; e, pegando a D. Luís pela mão, afastou-o para um lado, e perguntou-lhe que desatino fora aquele. E, enquanto lhe fazia estas e outras perguntas, ouviram à porta da venda grande alarido, motivado por dois hóspedes que naquela noite ali tinham pousado, e que, vendo toda a gente ocupada em saber o que os quatro homens procuravam, tinham intentado ir-se sem pagar o que deviam, mas o vendeiro, que atendia mais ao seu negócio que aos alheios, agarrou-os ao sair da porta, e lhes pediu a sua paga, afeando-lhes a má tenção com palavras tais, que os levou a responderem-lhe a murros: e assim começaram a dar-lhe tamanha sova, que o pobre do vendeiro teve de gritar e de pedir socorro. A estalajadeira e sua filha não viram pessoa desocupada que o pudesse socorrer, a não ser D. Quixote, a quem a rapariga disse:
— Socorra Vossa Mercê, senhor cavaleiro, pela virtude que Deus lhe deu, a meu pobre pai, que o estão moendo dois maus homens como se fosse pimenta.
A que D. Quixote respondeu, muito descansado e com muita fleuma:
— Formosa donzela, não tem lugar por agora a vossa petição, porque não posso meter-me em outra aventura, enquanto não der fim a uma em que está empenhada a minha palavra.