Capítulo 49: CAPÍTULO XLVIII -Onde prossegue o cônego no assunto dos livros de cavalaria, com outras coisas dignas do seu engenho.
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avisado com os embustes, sagaz com os exemplos, irado contra o vício e namorado da virtude; que todos estes afetos há-de despertar a boa comédia no ânimo do que a escutar, por muito rústico e torpe que seja, e é completamente impossível deixar de alegrar e entreter, satisfazer e contentar, a comédia que tiver todos estes predicados, muito mais do que outra que deles carecer, como pela maior parte carecem estas que ordinariamente agora se representam. E não têm culpa disto os poetas que as compõem, porque alguns há que conhecem perfeitamente aquilo em que erram, e sabem extremadamente o que devem fazer; mas, como as comédias se transformaram em mercadoria vendável, dizem, e dizem com razão, que os comediantes não lhas comprariam se não fossem daquele jaez; e assim o poeta procura acomodar-se ao que lhe pede o comediante que lhe há-de pagar a obra. E que isto é verdade, vê-se nas muitas e infinitas comédias que compôs um felicíssimo engenho destes reinos, com tanta gala, tanto donaire, tão elegante verso, tão boas razões, tão graves sentenças, e finalmente, tão resplandecentes de elocução e alteza de estilo, que está o mundo cheio da sua fama; e, por querer acomodar-se ao gosto dos comediantes, não chegaram todas, como chegaram algumas, ao auge da perfeição que requerem. Outros as compõem, tanto sem olhar ao que fazem, que, depois de representadas, vêem-se os atores obrigados a fugir e ausentar-se, receosos de ser castigados, como o têm sido muitas vezes, por terem representado coisas em desabono de reis e desonra de linhagens; e todos estes inconvenientes cessariam, e muitos mais ainda que não digo, se houvesse na corte uma pessoa inteligente e discreta, que examinasse todas as comédias antes que se representassem; não só
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