Quixote que um escudeiro de cavaleiro andante deve comer quando se lhe oferecer ocasião, até não poder mais, porque, às vezes, tem de se meter por uma selva tão intrincada, que não podem sair dela nem em seis dias, e se um homem não vai farto, ou de alforjes bem fornecidos, ali poderá ficar, como muitas vezes fica, mudado em esqueleto.
— Tens razão, Sancho — disse D. Quixote — vai aonde quiseres e come o que puderes, que eu já estou satisfeito, e só me falta dar à alma a sua refeição, como lha darei, escutando o conto deste bom homem.
— E o mesmo faremos nós — disse o cônego.
E logo pediu ao cabreiro que principiasse.
O cabreiro deu duas palmadas no lombo da cabra, que segurava pelos chifres, dizendo-lhe:
— Recosta-te junto de mim, malhada, que temos tempo de sobra.
Parece que a cabra o entendeu, porque apenas ele se sentou, estirou-se-lhe ao lado, com muito sossego, e olhando-lhe para a cara, parecia estar atenta ao que ia dizendo o cabreiro, que principiou a sua história desta maneira: