— De que tamanho lhe parece a Vossa Mercê, senhor D. Quixote, que seria o gigante Morgante?
— Nisto de gigantes — respondeu D. Quixote — há diferentes opiniões: se os tem havido ou não no mundo; mas a Escritura Santa, que não pode faltar, nem num átomo, à verdade, mostra-nos que os houve, falando-nos naquele filisteu de Golias, que tinha sete côvados e meio de altura, o que é uma grandeza desmarcada. Também na ilha de Sicília se têm encontrado canelas e espáduas tamanhas, que a sua grandeza manifesta que foram gigantes os seus possuidores, e do tamanho de altíssimas torres; que a geometria tira esta verdade de toda a dúvida. Mas, com tudo isso, não saberei dizer com certeza o tamanho que teria Morgante, ainda que imagino que não devia de ser muito alto; e move-me a ser desta opinião encontrar na história, onde se faz menção especial das suas façanhas, que muitas vezes dormia debaixo de telha; e, logo que encontrava casa onde coubesse, claro está que não era desmesurada a sua grandeza.
— Assim é — disse o cura, que, gostando de lhe ouvir dizer tamanhos disparates, lhe perguntou o que pensava dos rostos de Reinaldo de Montalvão e de D. Roldão, e dos outros doze Pares de França, pois todos tinham sido cavaleiros andantes.
— De Reinaldo — respondeu D. Quixote — atrevo-me a dizer que era de cara larga, cor vermelha, olhos bailadores e um pouco esbugalhados, rixoso e colérico em demasia, amigo de ladrões e de gente perdida.