— Lá se nos escapou o nosso hóspede — pensou D. Lourenço — mas, com tudo isso, é um louco esquisito.
Aqui deram fim à sua prática, porque os chamaram para jantar.
Perguntou D. Diogo a seu filho o que tirara a limpo do engenho do seu hóspede.
— É um louco cheio de intervalos lúcidos — respondeu D. Lourenço.
Foram para o jantar, que foi como D. Diogo dissera no caminho que o costumava dar aos seus convidados: limpo, saboroso e farto; mas o que mais encantou D. Quixote foi o maravilhoso silêncio que havia em toda a casa, que não parecia senão um convento de cartuxos. Levantada a mesa, dadas graças a Deus, e água às mãos, D. Quixote pediu afincadamente a D. Lourenço que dissesse os versos da justa literária; ao que ele respondeu:
— Por não parecer que sou daqueles poetas que, quando lhes pedem que recitem os seus versos os negam, e quando lhos não pedem os vomitam, direi a minha glosa, de que não espero prémio algum, que só fiz para exercitar o meu engenho.
— Um discreto amigo — observou D. Quixote — era de opinião que se não cansasse ninguém em glosar versos, e a razão dizia ele que era que nunca podia a glosa chegar ao mote, e que a maior parte das vezes ia a glosa fora da intenção e do propósito do que pedia o que se glosava; e, além disso, que as leis da glosa