Acabando D. Lourenço de dizer a sua glosa, D. Quixote ergueu-se, e com um grande brado, travando da mão direita de D. Lourenço, exclamou:
— Vivam os altos céus! Generoso mancebo, sois o melhor poeta do orbe, e merecíeis ser laureado, não por Chipre ou Gaeta, como disse um vate, benza-o Deus, mas pelas academias de Atenas, se existissem, e pelas que hoje existem de Paris, Bolonha e Estrasburgo. Praza ao céu que aos juízes que vos tirarem o primeiro prémio, Febo os asseteie, e as musas nunca lhes franqueiem os umbrais das casas! Dizei-me, senhor, peço-vos, alguns versos maiores, que quero tomar de todo em todo o pulso ao vosso admirável engenho.
Não é boa dizer o autor que muito folgou D. Lourenço com os elogios de D. Quixote, apesar de o ter por louco? Ó força da adulação, aonde te estendes, e que dilatados limites tem a tua jurisdição agradável! Confirmou D. Lourenço esta verdade, pois condescendeu com o desejo de D. Quixote, recitando-lhe um soneto, feito à fábula ou história de Píramo e Tisbe.
SONETO
Rompe o muro a donzela tão formosa,
que abriu de Píramo o galhardo peito:
parte o Amor de Chipre, e vai direito
a ver a quebra estreita e prodigiosa,
Fala o silêncio ali, porque não ousa
entrar a voz em tão estreito estreito;
as almas sim, que amor sói com efeito
facilitar a mais difícil cousa.
Desvairou-se o desejo, e o amor tamanho
da imprudente virgem solicita
a morte por seu gosto: olhai que história!
Que a ambos num só ponto, ó caso estranho!
os mata, e os sepulta e os ressuscita
uma espada, um sepulcro, uma memória.
— Bendito seja Deus — disse D. Quixote, depois de ter ouvido o soneto de D.