Capítulo 19: CAPÍTULO XIX - Onde se conta a aventura do pastor enamorado, com outros sucessos na verdade graciosos.
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o estudante — são de um lavrador e de uma lavradeira; ele o mais rico de toda esta terra, ela a mais formosa que os homens têm visto; e o aparato com que se hão-de fazer é extraordinário e novo, porque se celebram num prado que fica junto da aldeia da noiva, a quem chamam por excelência Quitéria, a formosa, e o desposado chama-se Camacho, o rico; ela de idade de dezoito anos, e ele de vinte e dois, ambos iguais em tudo, ainda que alguns curiosos, que sabem de cor a linhagem de toda a gente, querem dizer que a da formosa Quitéria se avantaja à de Camacho; mas já se não olha a isso, que as riquezas podem soldar muitas quebras. Efetivamente, o tal Camacho é generoso e lembrou-se de enramar e toldar todo o prado por ali arriba, de forma que o sol há-de se ver em trabalhos, se quiser visitar a verde relva, de que está recoberto o chão. Haverá muitas danças, tanto de espadas como de castanholas, que há no povo gente muito perita nesses exercícios; de sapateadores nada digo, que nesse gênero juntou ele o poder do mundo; mas nenhuma das coisas referidas, nem das que deixei de referir, há-de tornar tão memoráveis estas bodas, como as que imagino que nelas fará o despeitado Basílio. Esse Basílio é um zagal, vizinho do mesmo povo, que morava paredes meias com os pais de Quitéria, o que deu ensejo ao Amor de renovar no mundo os já olvidados afetos de Píramo e Tisbe, porque Basílio se namorou de Quitéria, desde os seus tenros e primeiros anos, e ela foi correspondendo ao seu desejo, tanto que muita gente se entretinha na aldeia em falar nos amores das duas crianças. Foi crescendo a idade, e o pai de Quitéria resolveu-se enfim a proibir a Basílio a entrada em sua casa, e para se livrar de receios e suspeitas, tratou de casar sua filha
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