Adiante de todos vinha um castelo de madeira, puxado por quatro selvagens, todos vestidos de hera e de linho verde tanto ao natural, que iam assustando Sancho. Na frontaria do castelo, e em todas as quatro fachadas, lia-se: Castelo do bom recato. A música era composta de quatro destros tangedores de tamboril e flauta. Dava princípio à dança Cupido, e depois de dois passos erguia os olhos e frechava o arco contra uma donzela que aparecia nas ameias do castelo, e a quem dizia desta maneira:
Eu sou o deus poderoso no firmamento e na terra, e no vasto mar undoso e em tudo o que o abismo encerra no seu báratro espantoso.
Nunca soube o que era medo; tenho o mágico segredo de conquistar o impossível, e em tudo quanto é possível mando, tiro, ponho e vedo.
Acabou a copla, disparou uma frecha para o alto do castelo e retirou-se para o seu posto.
Saiu logo o Interesse e dançou outros dois passos; calaram-se os tamboris e ele disse:
Sou quem pode mais que Amor, mas é o Amor que me guia.
Eu sou da estirpe maior, que o céu cá no mundo cria, mais conhecida e melhor.
Sou o Int’resse, com quem poucos soem obrar bem; é milagre o dispensar-me, e a ti venho consagrar-me p’ra sempre jamais, amém!
Retirou-se o Interesse e deu um passo em frente a Poesia, que, depois de ter dançado como os outros, pondo os olhos na donzela do castelo disse:
Em mil conceitos discretos a dulcíssima Poesia a alma cheia de afetos, vivos, suaves, te envia, envolta entre mil sonetos.
Se acaso te não enfado com meu porfiar, teu fado, que de inveja a muitos dana, levantarei de Diana sobre o disco prateado.
Afastou-se a Poesia.
Do lado do Interesse saiu a Liberalidade, que, depois de dançados os seus passos, disse:
Chamam Liberalidade ao dar, quando se recusa a ser prodigalidade e ao contrário ser, que acusa tíbia e tímida vontade.