e Sancho, supondo isso, chorava amargamente e puxava com muita pressa; mas, chegando, pelos seus cálculos, a pouco mais de oitenta braças, sentiram peso, e com isso muito se alegraram; finalmente, quando faltavam só dez braças, viram distintamente D. Quixote, a quem Sancho bradou, dizendo:
— Seja Vossa Mercê muito bem-vindo, que já pensávamos que ficava lá dentro para fazer geração.
Mas D. Quixote não respondia palavra, e, tirando-o de todo para fora, viram que trazia os olhos fechados, parecendo adormecido. Estenderam-no no chão e desligaram-no; e, com tudo isso, não despertava. Mas tanto o viraram e reviraram, tanto o sacudiram e menearam, que, ao cabo de muito tempo, voltou a si, espreguiçando-se, como se despertasse de grande e profundo sono; e olhando para todas as partes, como espantado, disse:
— Deus vos perdoe, amigos, que me tirastes a mais saborosa e agradável vida e vista, que nenhum humano nunca viu nem passou. Efetivamente, agora acabo de conhecer que todos os contentamentos desta existência passam como sombra e sonho, ou murcham como a flor do campo.
Ó desditoso Montesinos! ó mal ferido Durandarte! ó desventurada Belerma! ó choroso Guadiana, e vós outras infelizes filhas de Ruidera, que mostrais nas vossas águas as que choraram os vossos formosos olhos!
Com grande atenção escutavam Sancho e o primo do licenciado as palavras de D. Quixote, que as dizia como se as arrancasse com dor imensa das entranhas. Suplicaram-lhe que lhes explicasse o que dizia, e lhes narrasse o que vira naquele inferno.
— Chamais-lhe inferno! — disse D. Quixote — não lhe chameis assim, que o não merece, como vereis logo.
Pediu que lhe dessem alguma coisa de comer, que trazia muitíssima fome.
Estenderam o xairel do jumento do guia sobre a verde relva, foram à dispensa dos alforjes, e, sentados todos três em boa companhia, merendaram e cearam ao mesmo tempo.