Quis segui-la, e tê-lo-ia feito, se Montesinos me não aconselhasse que me não cansasse com semelhante corrida, que seria baldada, e tanto mais que se aproximava a hora em que me cumpria sair da caverna. Disse-me também que, pelo tempo adiante, eu seria avisado do modo como os poderia desencantar a ele, a Belerma, a Durandarte e a todos os outros que ali estavam; mas o que mais me penalizou de tudo o que vi e notei foi que, estando Montesinos a dizer-me tudo isto, chegou-se a mim, sem eu dar pela sua aproximação, uma das duas companheiras da desventurada Dulcineia, e com os olhos rasos de água e com voz turbada e baixa, disse-me:
— Dulcineia del Toboso, minha ama, beija as mãos a Vossa Mercê, e pede-lhe que lhe mande dizer como está, e por ter de acudir a uma grande urgência, suplica a Vossa Mercê, o mais encarecidamente que pode, seja servido emprestar-lhe sobre esta saia de algodão nova, que aqui trago, meia dúzia de reais, ou os que Vossa Mercê trouxer, que lhe dá a sua palavra de lhos restituir em breve.
Pasmei com este recado e, voltando-me para Montesinos, perguntei-lhe:
— É possível, senhor Montesinos, que encantados tão principais padeçam necessidades?
— Creia-me Vossa Mercê, senhor D. Quixote de la Mancha — respondeu-me ele — que isso a que chamam necessidade em toda a parte se usa, a tudo se estende e tudo alcança, e nem aos encantados perdoa; e se a senhora Dulcineia del Toboso lhe manda pedir esses seis reais, e o penhor é bom, ao que parece, não há remédio senão dar-lhos, que ela está sem dúvida nalgum grande aperto.
— Penhor não lho tomo eu — respondi — mas também lhe não dou o que me pede, porque só tenho comigo quatro reais.
E dei-lhos, que foram os que tu me passaste para a mão, Sancho,