— Insigne vileza! — redarguiu D. Quixote — mas felicite-se por ter saído da corte com tão boa intenção, como essa que leva, porque não há outra coisa na terra, de mais honra e mais proveito, do que servir a Deus primeiramente, e logo em seguida ao seu rei e senhor natural, especialmente no exercício das armas, pelas quais se alcança, se não mais riquezas, pelo menos mais honra do que pelas letras, como eu tenho dito muitas vezes; que ainda que as letras têm fundado mais morgados do que as armas, há nestas, contudo, mais esplendor, que lhes dá vantagem. E isto que lhe quero dizer agora, leve-o na memória que lhe será de muito proveito e alívio nos seus trabalhos, e é que aparte a imaginação dos sucessos adversos que lhe puderem acontecer, que o pior de todos é à morte. Perguntaram a Júlio César — o valoroso imperador romano — qual era a melhor morte.
Respondeu que era a impensada, a súbita e imprevista; e, ainda que respondeu como gentio e bem alheio ao conhecimento do verdadeiro Deus, com tudo isso não disse mal, para se poupar ao sentimento humano. Ainda que vos matem, na primeira fação ou refrega, ou com um tiro de peça, ou indo pelos ares com a explosão duma mina, que importa? tudo é morrer; e, segundo diz Terêncio, melhor parece o soldado morto na batalha, do que vivo e salvo na fuga: e tanto maior fama alcança o bom soldado, quanto maior é a sua obediência aos capitães e aos que o podem mandar; e, reparai, filho, que fica melhor ao soldado cheirar a pólvora que a âmbar; e se a velhice vos colher nesse honroso exercício, ainda que seja cheio de feridas, estropiado e coxo, pelo menos não vos poderá colher sem honra, e tal, que a pobreza vo-la não poderá menoscabar; tanto mais, que já se vai tratando de alimentar