Quando isto dizia, já Sancho montara no burro, ajudado por D. Quixote, que também logo depois montou em Rocinante, e devagarinho se foram meter numa alameda, que ficava dali a um quarto de légua. De quando em quando dava Sancho ais profundíssimos e uns gemidos dolorosos; e perguntando-lhe D. Quixote a causa de tão amargo sentimento, respondeu que desde o extremo do espinhaço até à nuca, tudo lhe doía.
— A causa dessa dor — disse D. Quixote — é sem dúvida que, como te bateram com um pau largo e comprido, apanhou-te as espáduas todas, onde entram essas partes que te doem, e, se mais te apanhasse, mais te doera.
— Por Deus — disse Sancho — Vossa Mercê tirou-me realmente de uma grande dúvida e explicou-ma em lindos termos! Corpo de tal; tão encoberta estava a causa da minha dor, que fosse necessário dizer-me que me dói tudo quanto o varapau apanhou? Se me doessem os dentes, ainda se percebia que se cismasse no motivo por que me doíam; mas doerem-me os sítios que me desancaram, não é caso de pasmar. Por minha fé, senhor meu amo, pouco dói o mal alheio, e eu todos os dias vou vendo o pouco que devo esperar da companhia em que tenho andado; porque, se desta vez me deixou espancar, outras vezes voltaremos aos manteamentos, e a outras brincadeiras, que hoje foram pagas pelas costelas e amanhã o serão pelos olhos. Muito melhor faria eu (se não quiser ser um bárbaro toda a minha vida), muito melhor faria eu, torno a dizer, se voltasse para minha casa, para minha mulher e para os meus filhos, para a sustentar e para os criar com o que Deus for servido dar-me, em vez de andar atrás de Vossa Mercê por caminhos e encruzilhadas, bebendo mal e comendo pior. Pois enquanto ao dormir? Tomai aí, escudeiro mano, sete palmos de terra,