que lhe metesse na cavalariça um jumento que está à porta do castelo, e trazendo-me para exemplo que assim o fizeram não sei onde, que umas damas cuidaram dum tal Lançarote e umas donas do seu rocim, para mais ajuda acaba chamando-me velha.
— Isso é que eu teria por afronta, mais do que todas as que me pudessem dizer — respondeu a duquesa.
E, voltando-se para Sancho, disse-lhe:
— Reparai, Sancho, que dona Rodríguez é muito moça, e que essas toucas mais as traz por autoridade e usança, do que por velhice.
— Morto eu caía neste instante — tornou Sancho — se disse uma só palavra por ofensa; mas tão grande é o amor que tenho ao meu jumento, que me pareceu que o não podia recomendar a pessoa mais caritativa que a senhora Rodríguez.
— Práticas são essas para este lugar, Sancho? — acudiu D. Quixote, que tudo ouvia.
— Senhor meu amo — tornou Sancho — a gente onde está fala dos seus negócios e lembrei-me aqui do ruço, aqui falei nele; se me lembrasse na cavalariça, na cavalariça falaria.
— Sancho fala com muito acerto — disse o duque — e não há motivo algum para se culpar; o ruço está a bom recado, e não se apoquente Sancho, que lhe tratarão o jumento como se fosse ele próprio.
Com estes arrazoados, agradáveis a todos, menos a D. Quixote, chegaram acima e introduziram D. Quixote numa sala, adornada de telas riquíssimas de ouro e de brocado; seis donzelas o desarmaram e lhe serviram de pajens, todas industriadas e avisadas pelo duque e pela duquesa do que haviam de fazer e de como haviam de tratar D. Quixote, para que ele imaginasse e visse que o tratavam como cavaleiro andante. D. Quixote, depois de desarmado, com as suas bragas estreitas e o seu gibão de camurça, seco, magro, esticado, com as faces tão chupadas