Apenas Sancho proferiu estas palavras, D. Quixote tremeu, receando tolice. Olhou para ele Sancho, entendeu-o e observou:
— Não receie Vossa Mercê, meu amo, que eu me desmande, nem que diga coisa que não venha muito a pêlo, que ainda não me esqueci dos conselhos que há pouco Vossa Mercê me deu, sobre o falar muito ou pouco, bem ou mal.
— Eu é que me não lembro de coisa alguma, Sancho — respondeu D. Quixote, — dize o que quiseres, contanto que o digas depressa.
— Pois o que eu quero dizer — tornou Sancho — é tão verdadeiro, que meu amo D. Quixote, que está presente, não me deixará mentir.
— Isso deixo — replicou D. Quixote — mente quanto quiseres, que não te irei à mão; mas vê o que dizes.
— Vejo e revejo, e as obras o mostrarão — disse Sancho.
— Bom será — acudiu D. Quixote — que Vossas Mercês mandem pôr fora este tolo, que vai dizer aí mil pachouchadas.
— Por vida do duque — bradou a duquesa — Sancho não se tira de ao pé de mim; quero-lhe muito, porque sei que é muito discreto.
— Discretos dias viva vossa santidade — exclamou Sancho — pelo bom conceito que de mim faz, ainda que o não mereço; e o conto que eu quero dizer é o seguinte: — Convidou um fidalgo da minha terra, muito rico e principal, porque vinha dos Álamos de Medina del Campo, que casou com D. Mécia de Quiñones, que foi filha de D. Alonso de Maranhão, cavaleiro do hábito de S. Tiago, que se afogou na Ferradura, por causa de quem houve há anos no nosso lugar aquela pendência, em que se achou metido, se bem me lembro, meu amo o senhor D. Quixote, e em que ficou ferido Basílio, o Travesso, filho de Balbastro o Ferreiro. Não é verdade tudo isto, senhor meu amo? Diga-o, por vida sua, para que estes senhores me não tenham por falador e mentiroso.