mentem — acudiu dona Rodríguez, que era uma das ouvintes; — até há um romance que diz que meteram o rei Rodrigo vivo, vivo, numa tumba cheia de cobras, de sapos e de lagartos, e que dali a dois dias disse o rei de dentro da tumba, com voz dolorida e baixa:
Já me comem, já me comem por onde mais eu pecara.
E visto isso, muita razão tem este senhor para dizer que antes quer ser lavrador que rei, se o hão-de comer os bichos.
Não pôde a duquesa suster o riso, com a simplicidade da sua dona, nem deixou de se admirar de ouvir as razões e os rifões de Sancho, a quem disse:
— Já sabe o meu bom Sancho que o que uma vez promete um cavaleiro, procura cumpri-lo, ainda que lhe custe a vida. O duque, meu senhor e marido, apesar de não ser dos andantes, nem por isso deixa de ser cavaleiro, e assim cumprirá a palavra de vos dar a prometida ilha, apesar da inveja e da malícia do mundo. Esteja Sancho sossegado, que, quando menos o pensar, há-de se ver sentado na sua cadeira de governador, coberto de brocado e empunhando o bastão do comando: o que lhe recomendo é que veja como governa os seus vassalos, que todos são leais e bem-nascidos.
— Lá isso de os governar bem — respondeu Sancho — não precisa de mo recomendar, porque eu sou naturalmente caritativo e tenho compaixão dos pobres, e a quem sega e amassa não lhe furtem a fogaça; e a mim juro por esta, que me não hão-de deitar dados falsos; sou rata pelada e entendo tudo tim tim, e não consinto que me andem lá com teias de aranha, e sei perfeitamente onde me aperta o sapato; e digo isto, porque os bons hão-de ter de mim o que quiserem, e os maus nem uma figa. E parece-me que nisto de governos tudo está no começar, e pode muito bem ser que, em eu sendo quinze dias governador, entenda mais desse ofício do que da lavoura com que me criei.