não digo que não, que não sou nada hipócrita: bebo quando tenho vontade, quando não a tenho e quando me dão vinho, por não parecer melindroso ou malcriado; que a um brinde de amigo, que coração de mármore haverá que não faça logo a razão? Mas, ainda que as calço, não as borro, tanto mais que os escudeiros dos cavaleiros andantes quase sempre bebem água, porque não fazem senão andar por florestas, selvas e prados, montes e vales, sem encontrarem uma pinga de vinho, ainda que deem um olho para isso.
— Assim creio — respondeu a duquesa — e por agora vá Sancho descansar, que depois falaremos com mais pausa e trataremos de se lhe encaixar depressa, como ele diz, o tal governo.
De novo Sancho beijou as mãos à duquesa e lhe pediu que lhe fizesse mercê de cuidar do seu ruço, porque era o lume dos seus olhos.
— Que ruço vem a ser? — perguntou a duquesa.
— O meu burro — tornou Sancho — que por não o chamar por este nome, lhe costumo chamar o ruço; e a esta senhora dona pedi, quando entrei neste castelo, que tomasse conta dele, e vai ela toda se arrenegou, como se eu lhe tivesse chamado feia ou velha, devendo ser contudo, parece-me, mais próprio das donas pensar os jumentos do que honrar as salas. Valha-me Deus! que mal se dava com estas senhoras um fidalgo da minha terra!
— Seria algum vilão — acudiu a dona Rodríguez — que se ele fosse fidalgo e bem-nascido, havia de as pôr nos cornos da lua.
— Ora bem — disse a duquesa — acabou-se! cale-se, dona Rodríguez; sossegue, senhor Pança, e fique a meu cargo o tratamento do ruço, que, por ser alfaia de Sancho, eu o porei nas meninas dos meus olhos.
— Basta que esteja na cavalariça — respondeu Sancho — que nas meninas dos olhos de vossa grandeza nem ele nem eu somos dignos