— Que dizeis a isto, Sancho? — perguntou a duquesa.
— Digo, senhora — respondeu Sancho — o que já disse: que lá a respeito de açoites, abrenúncio.
— Abrenúncio é que se diz, Sancho — acudiu o duque.
— Deixe-me vossa grandeza; não estou agora disposto a reparar em sutilezas, nem em letras de mais ou de menos, porque me vejo tão perturbado com estes açoites que hei-de apanhar, dados por mim ou por outrem, que não sei o que digo nem o que faço; mas sempre quereria perguntar à minha senhora D. Dulcineia del Toboso, onde é que aprendeu semelhante modo de pedir. Vem suplicar-me que rasgue a carne com açoites, e chama-me alma de cântaro e bruto indômito, e mais uma ladainha de nomes feios, que só o diabo é capaz de suportar. Porventura as minhas carnes são de bronze, ou importa-me alguma coisa que ela se desencante ou não? Que trouxa de roupa branca, de camisas, de penteadores e de sapatinhos me traz para me abrandar, a não ser uma chuva de vitupérios, sem se lembrar daquele rifão, que diz: que um burro carregado de ouro sobe ligeiro um monte; que dádivas quebrantam penhas; e que mais vale um toma, que dois te darei? Pois o senhor meu amo, que devia passar a mão pelo meu lombo e afagar-me para me fazer macio, não diz que se me apanha, amarra-me nu a uma árvore, e me dobra a parada dos açoites? E não reparam estes senhores que não só pedem que se açoite um escudeiro, mas um governador! Aprendam, eramá, a saber rogar e a saber pedir, e a ver que os tempos mudam e que os homens nem sempre estão de boa venta. Agora estou eu rebentando de pena, por ver o meu saio verde roto, e vêm-me pedir que me açoite por minha vontade, estando eu tão disposto a isso como a fazer-me cacique.
— Pois na verdade, amigo Sancho — disse o duque — se não amansais, juro-vos que não apanhais o governo.