Afligiu-se muito o bom do fidalgo, e daria de bom grado uma onça de prata para ter ali um novelo de seda verde, e digo de seda verde, porque as meias de D. Quixote eram dessa cor.
Aqui exclamou Benengeli:
Ó pobreza! pobreza! não sei com que razão o grande poeta cordovês se lembrou de te chamar dádiva santa que não é agradecida: eu, apesar de ser mouro, sei perfeitamente, pela comunicação que tenho tido com cristãos, que a santidade consiste em caridade e humildade, fé, obediência e pobreza; mas, com tudo isso, digo que se há-de parecer muito com Deus quem se rejubilar em ser pobre, a não ser aquele gênero de pobreza a que se refere um dos maiores santos do cristianismo:
tende todas as coisas como se as não tivésseis. E a isto se chama pobreza de espírito. Mas tu, segunda pobreza (que é a de que eu falo) por que queres atacar os fidalgos e os de nobre nascimento, mais do que a outra gente? Por que os obrigas a remendar os sapatos e a trazer nos gibões uns botões de seda e outros de chifre, e outros de vidro? Por que hão-de andar sempre os seus cabeções corridos a ferro e não engomados?
Mísero do bem-nascido que sacrifica tudo à sua honra: janta mal e à porta fechada e sai para a rua com um palito hipócrita, depois de não ter comido coisa que se lhe metesse nos dentes!
Mísero! continua Benengeli, mísero do que tem a honra espantadiça e imagina que a uma légua de distância se lhe descobre a tomba do sapato, o roçado do chapéu, o fio da capa e a fome do seu estômago.
Tudo isto acudiu ao pensamento de D. Quixote ao ver as meias rotas, mas consolou-se notando que Sancho lhe deixara umas botas de viagem, que tencionou calçar no outro dia.
Finalmente, recostou-se pensativo e pesaroso, tanto pela falta que