ouvia dizer que se corriam touros e se jogavam canas, e se representavam comédias, pedia a meu irmão, que é um ano mais novo do que eu, que me dissesse que coisas eram aquelas, e outras muitas que eu nunca vi. Ele dizia-o do melhor modo que sabia, mas tudo isso contribuía ainda para me incender o desejo de o ver. Finalmente, para abreviar o conto da minha perdição, digo que roguei e pedi a meu mano — nunca eu me lembrasse de pedir nem de rogar semelhante coisa!...
E nisto, renovou-se-lhe o pranto.
Disse-lhe o mordomo:
— Prossiga Vossa Mercê, senhora, e acabe de nos dizer o que foi que lhe sucedeu, que estamos todos suspensos das suas palavras e das suas lágrimas.
— Pouco me resta a dizer — acudiu a donzela — mas restam-me muitas lágrimas a chorar, porque os mal colocados desejos não podem trazer consigo outros resultados.
Impressionara profundamente a alma do mestre-sala a beleza da donzela, e chegou outra vez a sua lanterna para a ver de novo, e pareceu-lhe que não eram lágrimas que chorava, mas sim aljôfares ou rocio dos prados, e ainda mais as encarecia, e lhes chamava pérolas orientais, e estava desejando que a sua desgraça não fosse tanta como davam a entender os indícios do seu pranto e dos seus suspiros.
Desesperava-se o bom do governador com a tardança da rapariga em contar a sua história, e disse-lhe que os não tivesse por mais tempo suspensos, que era tarde e faltava muito que percorrer da povoação. Ela, entre interrompidos soluços e mal formados suspiros, disse:
— Não é outra a minha desgraça, nem é outro o meu infortúnio, senão o ter pedido a meu irmão que me emprestasse um dos seus fatos, para eu me vestir de homem; e que me levasse uma noite a ver o povo todo, enquanto nosso pai dormia;