Teve D. Quixote desejo de passear pela cidade a pé e incógnito, e viu escrito numa porta, em letras muito grandes, aqui se imprimem livros; e ficou muito satisfeito, porque nunca vira imprensa alguma e desejava saber como era. Entrou na imprensa com todo o seu acompanhamento e viu num sítio uns homens a fazerem a tiragem, noutro as emendas, noutro a comporem e noutro a paginarem, e finalmente aquele maquinismo todo que nas imprensas grandes se mostra. Chegava D. Quixote a uma caixa e perguntava o que se fazia ali; explicavam-lho os tipógrafos, admirava e passava adiante. Uma vez respondeu-lhe um dos tipógrafos:
— Senhor, este cavalheiro que aqui está (e mostrou-lhe um homem grave, de boa aparência e de bom porte) traduziu um livro toscano na nossa língua castelhana e eu estou-o compondo, para o dar à estampa.
— Qual é o título do livro? — perguntou D. Quixote.
— O livro chama-se Le Bagatelle — respondeu o tradutor.
— E que quer dizer Bagatelle? — perguntou D. Quixote.
— Bagatelle — tornou o tradutor — quer dizer “bagatelas”; e, ainda que o livro é humilde de nome, contém e encerra em si coisas ótimas e substanciais.
— Eu — disse D. Quixote — sei alguma coisa de toscano e gabo-me de cantar algumas estâncias de Ariosto. Mas diga-me Vossa Mercê, senhor meu (e não digo isto porque queira examinar o merecimento de Vossa Mercê, mas por curiosidade e nada mais): Encontrou alguma vez a palavra pignata?
— Decerto, muitas vezes — respondeu o tradutor.
— E como é que Vossa Mercê a traduz?
— Como a havia de traduzir senão por panela?
— Corpo de tal — tornou D. Quixote — como Vossa Mercê conhece a fundo o idioma toscano!
Sou capaz de apostar em como, quando em toscano se diz piace, diz Vossa Mercê praz ou agrada, e onde dizem piú diz mais, e ao sú chama acima, e ao giú chama abaixo.