D. Quixote, movido pelo seu bom coração e receoso de que a imprudência de Sancho lhe pusesse termo à vida e lhe não fizesse conseguir o seu desejo, disse-lhe:
— Por tua vida, Sancho, fique o negócio por aqui; o remédio parece-me aspérrimo e será bom dar tempo, que Roma nem Pavia não se fez num dia. Já deste, se contei bem, mais de mil açoites; bastam por agora, que, como dizem os rústicos, o asno atura a carga, mas não a sobrecarga.
— Não, senhor, não — tornou Sancho — não se há-de dizer de mim: merenda feita, companhia desfeita; aparte-se Vossa Mercê mais um pedaço e deixe-me dar mais uns mil açoites, pelo menos, que assim, com mais duas vazas destas, se acaba a partida e ainda ficamos com pano para mangas.
— Pois se te achas em tão boa disposição, o céu te ajude, e continua, que eu cá me aparto.
Voltou Sancho à sua tarefa com tanto denodo que, pelo rigor com que se açoitava, já tirara a cortiça a umas poucas de árvores; e, levantando de uma das vezes a voz e dando um desaforado açoite numa faia, bradou:
— Morra Sansão e todos quantos aqui estão.
Acudiu logo D. Quixote ao som da voz plangente e do rigoroso golpe e, agarrando no retorcido cabresto, que servia a Sancho de chicote, disse-lhe:
— Não permita a sorte, Sancho amigo, que, para me dares gosto, percas a vida, que há-de servir para sustentar tua mulher e teus filhos; espere Dulcineia melhor conjuntura e eu me conterei dentro dos limites da propínqua esperança e esperarei que cobres forças novas, para este negócio se concluir a aprazimento de todos.
— Já que Vossa Mercê assim o quer, meu senhor — respondeu Sancho — seja em boa hora; e deite-me a sua capa aos ombros, estou suando e não me queria constipar, porque os penitentes novatos correm esse perigo.