Quixote, assunto principal de tal história, foi meu grande amigo; fui que o tirei da sua terra, ou pelo menos que o movi a que fosse a umas justas que se faziam em Saragoça, para onde eu ia; e é bem verdade que lhe fiz muitos obséquios e o livrei de lhe fustigar as costas o verdugo, por ser muito atrevido.
— E diga-me, senhor D. Álvaro: pareço-me em alguma coisa com esse D. Quixote que Vossa Mercê diz?
— Não, decerto — redarguiu o hóspede.
— E esse D. Quixote — tornou o nosso herói — trazia consigo um escudeiro chamado Sancho Pança?
— Trazia, sim — respondeu D. Álvaro — e, apesar de ter fama de gracioso, nunca lhe ouvi dizer coisa que tivesse graça.
— Isso creio eu — acudiu Sancho — porque isto de dizer graças não é para todos; e esse Sancho que Vossa Mercê diz, senhor gentil-homem, deve de ser algum grandíssimo velhaco e ladrão, porque o verdadeiro Sancho Pança sou eu, que tenho graça por aí além; e se não, faça Vossa Mercê a experiência; ande um ano atrás de mim e verá que os chistes caem-me a cada passo, tais e tantos, que, sem saber a maior parte das vezes o que digo, faço rir todos os que me escutam: e o verdadeiro D. Quixote de la Mancha, o famoso, o valente e o discreto, o enamorado, o desfazedor de agravos, o tutor de pupilos e órfãos, o amparo das viúvas, o que tem por única dama a Dulcineia del Toboso, é este senhor que está presente, e que é meu amo; e todo e qualquer outro D. Quixote, e todo e qualquer outro Sancho Pança são burla e sonho.
— Assim o creio, por Deus — respondeu D. Álvaro — porque mais graças dissestes, amigo, em quatro palavras que aí proferistes, no que era quantas ouvi ao outro Sancho Pança, que foram muitas. Tinha mais de falador que de bem falante, e mais de tolo que de gracioso; e, sem dúvida, os nigromantes que perseguem D.