— Ó canalha! — exclamou Sancho — ó aziagos e mal intencionados nigromantes! quando hei-de eu ter o gosto de vos ver espetados como uns mexilhões! muito sabeis, muito podeis e muito mal fazeis! Devia-vos bastar, velhacos, o terdes transformado as pérolas dos olhos da minha senhora Dulcineia em cebolas remelosas, os seus cabelos de ouro puríssimo em cerdas de rabo de boi ruivo, e mudado enfim as suas formosas feições em feições disformes, sem lhe tocardes no cheiro, que por ele ao menos adivinhássemos o que estava escondido naquela feia cortiça, ainda que, para dizer a verdade, eu sempre a vi formosa, dando-lhe realce à beleza um lunar que tinha sobre o lábio do lado direito, à moda de bigode, com sete ou oito cabelos louros, como fios dourados, e da largura de mais de um palmo.
— Acho grandes demais para lunares — observou D. Quixote.
— O que sei dizer a Vossa Mercê — respondeu Sancho — é que pareciam nascidos ali.
— Creio, creio, amigo — tornou D. Quixote — porque nenhuma coisa pôs a natureza em Dulcineia, que não fosse perfeita e bem acabada; mas ainda que tivesse cem lunares como tu dizes, nela não seriam lunares, mas sim luas e estrelas resplandecentes. Mas diz-me lá, Sancho: aquilo que me pareceu albarda e que tu arranjaste era selim raso ou de cadeirinha?
— Era sela à gineta — respondeu Sancho — e com um xairel tão rico, que vale bem metade de um reino.
— E não ver eu tudo isso! — tornou D. Quixote — Agora digo e direi mil vezes que sou o mais desgraçado de todos os homens.
Muito custava ao socarrão do Sancho disfarçar o riso, ao ouvir as sandices de seu amo, tão finamente enganado. Depois de outras muitas razões que houve entre eles ambos, tornaram a montar nas cavalgaduras e seguiram caminho