Sancho queria replicar, mas a voz do cavaleiro da Selva, que não era nem má nem boa, o estorvou, cantando o seguinte
SONETO
Dai-me um roteiro que eu, senhora, siga,
a vosso bel-prazer feito e cortado,
que por mim há-de ser tão respeitado,
que nem num ponto só dele desdiga.
Se vos apraz que eu morra, e que a fadiga,
que me punge, a não conte, eis-me finado!
Se preferis que em modo desusado
vo-la narre, eu farei que Amor a diga.
De substâncias contrárias eu sou feito,
de mole cera e diamante duro;
às leis do amor curvar esta alma posso.
Brando ou rijo, aqui tendes o meu peito,
engastai, imprimi a sabor vosso!
Tudo guardar eternamente eu juro.
Com um ai, que parecia arrancado do íntimo do coração, deu fim ao seu canto o cavaleiro da Selva, e daí a pouco disse, com voz dolorida e plangente:
— Ó mulher, a mais formosa e a mais ingrata do orbe! como será possível, sereníssima Cassildéia de Vandália, o consentires que se consuma e acabe, em contínuas peregrinações e em ásperos e duros trabalhos, este teu cativo cavaleiro? Não basta já ter obrigado a confessarem que eras a mais formosa do mundo todos os cavaleiros da Navarra, todos os leoneses, todos os tartésios, todos os castelhanos, e finalmente todos os cavaleiros da Mancha?
— Isso não — bradou D. Quixote — que eu sou da Mancha, e nunca tal confessei, nem podia nem devia confessar coisa tão prejudicial à beleza da minha dama, e este cavaleiro, Sancho, já vês tu que tresvaria. Mas escutemos, talvez se declare mais.
— Ah! isso decerto — redarguiu Sancho — que leva termos de se estar a queixar um mês a fio.
Mas não foi assim, porque, tendo entreouvido o cavaleiro