Amor de Perdição - Cap. 22: Capítulo 22 Pág. 142 / 145

O capitão passeava da proa à ré, mas com o ouvido fito aos movimentos do degredado. Receara ele o propósito do suicídio, porque Mariana lhe incutira semelhante suspeita. Queria o marítimo falar-lhe palavras consoladoras, mas pensava consigo:

– «O que há-de dizer-se a um homem que sofre assim?» – E parava junto dele algumas vezes, como para desviar-lhe o espírito daquele mirante.

– Eu não me suicido! – exclamou abruptamente Simão Botelho.

– Se a sua generosidade, senhor capitão, se interessa em que eu viva, pode dormir descansado a sua noite, que eu não me suicido.

– Mas mereço-lhe eu a condescendência de descer comigo à câmara?

– Irei; mas eu lá sofro mais, senhor. Não replicou o comandante, e continuou a passear no convés, apesar das rajadas de vento. Mariana estava agachada entre os pacotes da carga, a pouca distância de Simão. O comandante viu-a, falou-lhe, e retirou-se.

Às três horas da manhã, Simão Botelho segurou entre as mãos a testa, que se lhe abria abrasada pela febre. Não pôde ter-se sentado, e deixou cair meio corpo. A cabeça, ao declinar, pousou no seio de Mariana.

– O Anjo da compaixão sempre comigo! – murmurou ele. – Teresa foi muito mais desgraçada…

– Quer descer ao camarote? – disse ela.

– Não poderei… Ampare-me, minha irmã.

Deu alguns passos para a escadinha, e olhou ainda sobre o mirante. Desceu a íngreme escada, apegando-se às cordas. Lançou--se sobre o colchão, e pediu água, que bebeu insaciavelmente. Seguiu-se a febre, o estorcimento, e as ânsias, com intervalos de delírio.

De manhã veio a bordo um facultativo, por convite do capitão. Examinando o condenado, disse que era febre maligna a doença, e bem podia ser que ele achasse a sepultura no caminho da Índia.

Mariana ouviu o prognóstico, e não chorou.

Às onze horas saiu barra fora a nau. Às ânsias da doença acresceram as do enjoo. A pedido do comandante, Simão bebia remédios, que bolsava logo, revoltos pelas contracções do vómito.





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