E que farias tu da vida sem a tua companheira de martírio? Onde irás tu aviventar o coração que a desgraça te esmagou, sem o esquecimento da imagem desta dócil mulher, que seguiu cegamente a estrela da tua malfadada sorte?!
Tu nunca hás-de amar, não, meu esposo? Terias pejo de ti mesmo, se uma vez visses passar rapidamente a minha sombra por diante dos teus olhos enxutos? Sofre, sofre ao coração da tua amiga estas derradeiras perguntas, a que tu responderás, no alto mar, quando esta carta leres.
Rompe a manhã. Vou ver a minha última aurora… a última dos meus dezoito anos!
Abençoado sejas, Simão! Deus te proteja, e te livre duma agonia longa. Todas as minhas angústias Lhe ofereço em desconto das tuas culpas. Se algumas impaciências a justiça divina me condena, oferece tu a Deus, meu amigo, os teus padecimentos, para que eu seja perdoada.
Adeus! À luz da eternidade parece-me que já te vejo, Simão!»
Ergueu-se o degredado, olhou em redor de si e fitou com espasmo Mariana, que levantava a cabeça ao menor movimento dele.
– Que tem, senhor Simão? – disse ela, erguendo-se.
– Estava aqui, Mariana?… Não se vai deitar?!
– Não vou; o comandante deu-me licença de ficar aqui.
– Mas há-de assim passar a noite?! Rogo-lhe que vá, porque não é necessário o seu sacrifício.
– Se o não incomodo, deixe-me aqui estar, senhor Simão.
– Esteja, minha amiga, esteja… Poderei subir ao convés?
– Quer ir ao convés, senhor Botelho? – disse o comandante, lançando-se do beliche.
– Queria, senhor comandante.
– Iremos juntos.
Simão ajuntou a carta de Teresa ao maço das suas, e saiu cambaleando. No convés sentou-se num monte de cordame, e contemplou o mirante de Monchique, que avultava negro ao sopé da serra penhascosa em que actualmente vai a Rua da Restauração.