O Crime do Padre Amaro - Cap. 4: Capítulo 4 Pág. 54 / 478

As mulheres reprovaram:

- Credo! por quem é, senhor cônego! Que lembrança! E a Sra. D. Joaquina Gansoso resumiu:

- Nada: uma coisa de sentimento para o senhor pároco fazer ideia.

- Isso, isso! disseram; uma coisa de sentimento, ó Artur, uma coisa de sentimento!

Artur pigarreou, cuspilhou; e dando subitamente à face uma expressão dolorosa, ergueu a voz, cantou lugubremente:

Adeus, meu anjo! Eu vou partir sem ti!

Era uma canção dos tempos românticos de 51, o Adeus! Dizia uma suprema despedida, num bosque, por uma tarde pálida de Outono; depois, o homem solitário e precito, que inspirara um amor funesto, ia errar desgrenhado à beira do mar; havia uma sepultura esquecida num vale distante, brancas virgens vinham chorar à claridade do luar!

- Muito bonito, muito bonito! murmuravam.

Artur cantava enternecido, o olhar vago; mas nos intervalos, durante o acompanhamento, sorria em redor - e na sua boca cheia de sombra viam-se os restos de dentes podres. O padre Amaro, ao pé da janela, fumando, contemplava Amélia, enlevado naquela melodia sentimental e mórbida: o seu perfil fino, de encontro à luz, tinha uma linha luminosa; destacava harmoniosamente a curva do seu peito; e ele seguia as suas pálpebras de grandes pestanas, que do teclado para a música se erguiam e se abaixavam com um movimento doce. João Eduardo, junto dela, voltava- lhe as folhas da música.

Mas Artur, com a mão sobre o peito, a outra erguida no ar, num gesto desolado e veemente, soltou a última estrofe:

E um dia, enfim, deste viver fatal,

Repousarei na escuridão da campa!

- Bravo! bravo! exclamaram.

E o cônego Dias comentou baixo ao pároco:

- Ah! para coisas de sentimento não há outro. - E bocejando enormemente: Pois, menino, tenho tido toda a noite as lulas a conversar cá por dentro.





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