XIIIJoão Eduardo, à noitinha, ia sair de casa para a Rua da Misericórdia, levando debaixo do braço um rolo de amostras de papel de parede para Amélia escolher, quando à porta encontrou a Ruça que ia puxar a campainha.
- Que é, Ruça?
- As senhoras foram passar a noite fora de casa, e aqui está esta carta que manda a senhora.
João Eduardo sentiu apertar-se-lhe o coração, e seguia com o olhar pasmado a Ruça, que descia a rua, batendo os tamancos. Foi ao pé do candeeiro, defronte, abriu a carta:
"SR. JOÃO EDUARDO.
O que estava decidido a respeito do nosso casamento era na persuasão que era V. Sa. uma pessoa de bem e que me poderia fazer feliz,' mas como se sabe tudo, e que foi o senhor que escreveu o artigo do Distrito, e caluniou os amigos da casa e me insultou a mim, e como os seus costumes não me dão garantia de felicidade na vida de casada, deve desde hoje, considerar tudo acabado entre nós, pois não há banhos publicados nem despesas feitas. E eu espero, bem como a mamã, que o senhor seja bastante delicado para não nos voltar a casa, nem perseguir-nos na rua. O que tudo lhe comunico por ordem da mamã, e sou
criada de V. Sa.
Amélia Caminha'' .
João Eduardo ficou a olhar estupidamente a parede defronte onde batia a claridade do candeeiro, imóvel como uma pedra, com o seu rolo de papéis pintados debaixo do braço. Maquinalmente, voltou a casa. As mãos tremiam-lhe tanto, que mal podia acender o candeeiro. De pé, junto da mesa, releu a carta. Depois ficou ali, fatigando a vista contra a chama da torcida, com uma sensação arrefecedora de Imobilidade e de Silêncio, como se subitamente, sem choque, toda a vida universal tivesse emudecido e parado.