VEla, em cima, não dormia também. Sobre a cômoda, dentro de uma bacia, a lamparina extinguia-se, com um mau cheiro de morrão de azeite; brancuras de saias caídas no chão destacavam; e os olhos do gato, que não sossegava, reluziam pela escuridão do quarto com uma claridade fosfórica e verde.
Na casa vizinha, uma criança chorava sem cessar. Amélia sentia a mãe embalar-lhe o berço, cantar-lhe baixo:
Dorme, dorme, meu menino,
Que a tua mãe foi à fonte!
Era a pobre Catarina engomadeira, que o tenente Sousa deixara com um filho no berço, e grávida de outro - para ir casar a Extremoz! Tão bonita era, tão loura - e mirrada agora, tão chupada!
Dorme, dorme, meu menino,
Que a tua mãe foi à fonte!
Como ela conhecia aquela cantiga! Quando tinha sete anos sua mãe dizia-a, nas longas noites de Inverno, ao irmãozinho que morrera!
Lembrava-se bem! moravam então noutra casa, ao pé da estrada de Lisboa; à janela do seu quarto havia um limoeiro e a mãe punha, na sua ramagem luzidia, os cueiros do Joãozinho, a secarem ao sol. Não conhecera o papá. Fora militar, morrera novo; e a mãe ainda suspirava ao falar da sua bela figura com o uniforme de cavalaria. Aos oito anos ela foi para a mestra. Como se lembrava! A mestra era uma velhita roliça e branca, que fora tacho das freiras de Santa Joana de Aveiro; com os seus óculos redondos, junto à janela, empurrando a agulha, morria-se por contar histórias do convento: as perrices da escrivã, sempre a escabichar os dentes furados; a madre rodeira, preguiçosa e pacata, com uma pronúncia minhota; a mestra de cantochão, admiradora de Bocage e que se dizia descendente dos Távoras; e a legenda de uma freira que morrera de amor, e cuja alma ainda em certas noites percorria os corredores, soltando gemidos dolorosos e clamando: - Augusto! Augusto!