XVNo domingo seguinte havia missa cantada na Sé, e a S. Joaneira e Amélia atravessaram a Praça para ir buscar D. Maria da Assunção, que em dias de mercado e de "populacho" nunca saia só, receosa que lhe roubassem as jóias ou lhe insultassem a castidade.
Nessa manhã, com efeito, a afluência das freguesias enchia a Praça: os homens em grupo, atravancando a rua, muito sérios, muito barbeados, de jaqueta ao ombro; as mulheres aos pares, com uma fortuna de grilhões e de corações de ouro sobre peitos pejados; nas lojas, os caixeiros azafamavam-se por trás dos balcões alastrados de lençaria e de chitas; nas tabernas apinhadas gralhava-se alto; pelo mercado, entre os sacos de farinha, os montões de louça, os cestos de broa, ia um regatear sem fim; havia multidão ao pé das tendas onde reluzem os espelhinhos redondos e trasbordam os molhos de rosários; velhas faziam pregão por trás dos seus tabuleiros de cavacas; e os pobres, afreguesados à cidade, choramigavam Padre-Nossos pelas esquinas.
Já senhoras passavam para a missa, todas em sedas, de rostinho sisudo; e a Arcada estava cheia de cavalheiros, tesos nos seus fatos de casimira nova, fumando caro, gozando o domingo.
Amélia foi muito olhada: o filho do recebedor, um atrevido, disse mesmo alto dum grupo: Ai, que me leva o coração! E as duas senhoras, apressando-se, dobravam para a Rua do Correio, quando lhes apareceu o Libaninho de luvas pretas e cravo ao peito. Não as tinha visto desde "o desacato do Largo da Sé", e rompeu logo em exclamações. Ai, filhas, que desgosto aquele! O malvado do escrevente! Ele tinha tido tanto que fazer, que só nessa manhã é que pudera ir ao senhor pároco dar-lhe os sentimentos; o santinho recebera-o muito bem, estava-se a vestir; ele quis ver-lhe o braço e felizmente, louvores a Deus, nem uma pisadura...