XXIVAo outro dia desde as sete da manhã, o padre Amaro esperava a Dionísia em casa, postado à janela, com os olhos cravados na esquina da rua, sem reparar na chuva miudinha que lhe fustigava a face. Mas a Dionísia não aparecia: e ele teve de partir para a Sé, amargurado e doente, a batizar o filho do Guedes.
Foi uma pesada tortura para ele ver aquela gente alegre que punha na gravidade da Sé, mais sombria por esse escuro dia de Dezembro, todo um rumor mal contido de regozijo doméstico e de festa paterna; o papá Guedes resplandecente de casaca e gravata branca, o padrinho compenetrado com uma grande camélia ao peito, as senhoras de gala, e sobretudo a parteira rechonchuda, passeando com pompa um montão de rendas engomadas e de laçarotes azuis, onde mal se percebiam duas bochechinhas trigueiras. Ao fundo da igreja, com o pensamento bem longe da Ricoça e na Barrosa, foi engorolando à pressa as cerimónias: soprando em cruz sobre a face do pequerrucho, para expulsar o Demônio que já habitava aquelas carninhas tenras; impondo-lhe o sal sobre a boca, para que ele se desgostasse para sempre do sabor amargo do pecado e tomasse gosto a nutrir-se só da verdade divina; tocando-o com saliva nas orelhas e nas narinas, para que ele não escutasse jamais as solicitações da carne e jamais respirasse os perfumes da terra. E em roda, com tochas na mão, os padrinhos, os convidados, na fadiga que davam tantos latins rosnados à pressa, só se ocupavam do pequeno, num receio que ele não respondesse com algum desacato impudente às tremendas exortações que lhe fazia a Igreja sua Mãe.
Amaro, então, pondo de leve o dedo sobre a touquinha branca, exigiu do pequerrucho que ele, ali em plena Sé, renunciasse para sempre a Satanás, às suas pompas e às suas obras.