Homenagem à Catalunha - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 26 / 193

Aquela nossa montanha miserável nem sequer apresentava muita vegetação, quando em seu melhor estado possível, e por meses a fio fora varrida por milicianos enregelados, e o resultado era que tudo que fosse mais grosso do que o dedo mínimo já fora queimado. Quando não estávamos comendo, dormindo, em guarda ou descanso, estávamos no vale por trás da posição, procurando combustível. Todas as minhas recordações dessa época são as de subir e descer as encostas quase perpendiculares, por cima das pedras calcárias que estraçalhavam as botas, arrecadando com ansiedade pequenos gravetos. Três homens procurando lenha por duas horas conseguiam juntar combustível suficiente para manter a fogueira do abrigo acesa por uma hora. A ansiedade de nossa busca de lenha transformou-nos, a todos, em botânicos. Classificávamos de acordo com suas propriedades de queimar todas as plantas que cresciam na encosta do morro. as diversas urzes e gramas que serviam para acender um fogo mas queimavam em poucos minutos, o alecrim bravo e o tojo pequenino que queimavam quando o fogo já se acendera bem, o carvalho retorcido e menor do que um arbusto de groselha, que se mostrava praticamente incomburente. Havia um tipo de caniço seco muito bom para iniciar a fogueira, mas só crescia no alto do morro à esquerda da posição. e era preciso enfrentar as balas do inimigo para apanhá-lo. Se os metralhadores fascistas nos vissem, dedicavam todo um tambor de munição ao intimorato. Em geral atiravam muito para cima e as balas cantavam no alto como pássaros. mas às vezes pipocavam e arrancavam lascas do calcário em distância pequena demais, com o que era preciso o cidadão jogar-se de cara no chão. Mas continuávamos recolhendo caniço assim mesmo, pois nada mais importava tanto quanto a lenha.

Tirante o frio, os outros desconfortos pareciam coisa de somenos. Está claro que estávamos todos em estado de sujeira permanente. Nossa água, como os alimentos, vinha em lombo de mula desde Alcubierre, e a parte de cada um dava perto de um litro por dia. Era um líquido repugnante, pouco mais transparente do que o leite. Em teoria, destinava-se exclusivamente a ser bebido, mas sempre consegui furtar uma vasilha cheia para poder lavar-me de manhã. Eu costumava lavar-me num dia e barbear-me no outro, pois nunca houve água suficiente para fazer ambas as coisas. Nossa posição exalava um fedor abominável, e fora do pequeno espaço da barricada havia fezes por toda a parte. Alguns dos milicianos tinham por hábito defecar na trincheira, procedimento dos mais repelentes quando era preciso andar por ali na escuridão, dando voltas para não enfiar o pé na coisa. Mas a sujeira nunca me preocupou.





Os capítulos deste livro