As Viagens de Gulliver - Cap. 5: Capítulo III Pág. 183 / 339

A maioria deles e, em especial, os especializados em astronomia, crêem firmemente nas virtudes da astrologia, embora essa confissão em público os envergonhe. Mas o que mais admirei e, a falar verdade, me pareceu inconcebível, foi a vigorosa propensão que observei neles para a política e para os problemas da actualidade. Interessam-se sem cessar pelos assuntos públicos, manifestando opinião em questões de Estado, defendendo com paixão, ao centímetro, uma tese de partido. Na verdade, verifiquei esta mesma propensão entre a maioria dos matemáticos europeus que conheci, se bem que nunca tenha podido descortinar a mínima analogia nestas duas ciências; a não ser que esta gente pense que, uma vez que o mais pequeno círculo tem os mesmos graus que o maior, o governo do mundo não requer maior habilidade que manejar e fazer girar uma esfera. Descubro afinal nesta mania um vício muito comum na natureza humana: o que mais desperta o nosso interesse e nos apaixona é o que menos nos importa e para o que, por saber ou carácter, estamos menos preparados.

Esta gente vive em contínuo sobressalto, sem desfrutar um minuto de sossego espiritual e as suas inquietações têm origem em motivos que praticamente não afectam o resto dos mortais. As suas apreensões derivam do temor de que os corpos celestes sofram determinadas mudanças. Por exemplo, que a distância entre o Sol e a Terra, ao diminuir constantemente, leve a que o primeiro venha a absorver ou a tragar a segunda; que a superfície solar se cubra, a pouco e pouco, com uma camada devida aos seus eflúvios e deixe de iluminar o mundo; que a Terra tenha evitado, por muito pouco, um encontro com a cauda do último cometa, que a teria reduzido a cinzas; e que o próximo calcularam que dentro de trinta e um anos muito provavelmente nos destruirá.





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