As Viagens de Gulliver - Cap. 3: Capítulo I Pág. 72 / 339

«O tesoureiro era da mesma opinião. Indicou os rigores que Sua Majestade tinha de suportar porque a vossa subsistência minguava o orçamento e que, em breve, a situação tornar-se-ia insustentável. A petição do secretário para vos tirarem os olhos, mais do que um remédio para o mal, provavelmente aumentá-lo-ia, como o demonstrava a prática comum de cegar certas aves, uma vez que passam a comer mais e a engordar com maior rapidez. Sua Majestade Sagrada e o Conselho, que eram os vossos juízes, estavam, no fundo, convencidos da vossa culpabilidade, e isto era um argumento suficiente para vos condenar à morte, sem que fossem necessárias as provas formais exigidas pela estrita letra da lei.

«Mas Sua Majestade Imperial, adversário acérrimo da pena capital, dignou-se graciosamente a expressar que, se o Conselho pensava que a cegueira era um castigo demasiado suave, poderia acrescentar-se-lhe algum outro. E o vosso amigo secretário, pedindo de novo humildemente a palavra, em resposta ao que o tesoureiro objectara quanto à grande carga que para Sua Majestade constituía a vossa subsistência, disse que sua excelência, responsável pelas rendas do imperador, poderia facilmente prevenir este mal diminuindo o vosso orçamento, a pouco e pouco; com o que, por falta de alimentos suficientes, ficaríeis cada vez mais fraco, perdendo o apetite, e chegaríeis a tal decrepitude que sucumbiríeis em poucos meses. A decomposição do vosso cadáver não seria tão perigosa, pois estaríeis reduzido a menos de metade; e, logo após a vossa morte, cinco ou seis mil súbditos de Sua Majestade poderiam, em dois ou três dias, separar a carne dos vossos ossos, levá-la às carradas, enterrá-la em regiões remotas para se evitarem infecções, e deixar o esqueleto como um admirável monumento para a posteridade.

«Desta forma, graças à grande amizade do secretário, todo o caso ficou resolvido.





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