Quando João Romão entrou na venda, recolhendo-se da chuva, um caixeiro entregou-lhe um cartão de Miranda. Era um convite para lá ir à noite tomar uma chávena de chá.
O vendeiro, a principio, ficou lisonjeado com o obséquio, primeiro desse gênero que em sua vida recebia; mas logo depois voltou-lhe a cólera com mais ímpeto ainda. Aquele convite irritava-o como um ultraje, uma provocação. “Por que o pulha o convidara, devendo saber que ele decerto lá não ia?... Para que, se não para o enfrenesiar ainda mais do que já estava?!... Seu Miranda que fosse à tábua com a sua festa e com os seus títulos!”
— Não preciso dele para nada!... exclamou o vendeiro. Não preciso, nem dependo de nenhum safardana! Se gostasse de festas, dava-as eu!
No entanto, começou a imaginar como seria, no caso que estivesse prevenido de roupa e aceitasse o convite: figurou-se bem vestido, de pano fino, com uma boa cadeia de relógio, uma gravata com alfinete de brilhantes; e viu-se lá em cima, no meio da sala, a sorrir para os lados, prestando atenção a um, prestando atenção a outro, discretamente silencioso e afável, sentindo que o citavam dos lados em voz mortiça e respeitosa como um homem rico, cheio de independência. E adivinhava os olhares aprobativos das pessoas sérias; os óculos curiosos das velhas assestados sobre ele, procurando ver se estaria ali um bom arranjo para uma das filhas de menor cotação.
Nesse dia serviu mal e porcamente aos fregueses; tratou aos repelões a Bertoleza e, quando, já as cinco horas, deu com a Marciana, que, uns negros por compaixão haviam arrastado para dentro da venda, disparatou:
— Ora bolas! pra que diabo me metem em casa este estupor?! Gosto de ver tais caridades com o que é dos outros! Isto aqui não é acoito de vagabundos!...
E, como um polícia, todo encharcado de chuva, entrasse para beber um gole de parati, João Romão voltou-se para ele e disse-lhe:
— Camarada, esta mulher é gira! não tem domicilio, e eu não hei de, quando