Amor de Perdição - Cap. 6: Capítulo 6 Pág. 35 / 145

– Seu pai começou a esfregar o nariz, e disse-me: «Eu sei o que é isso. Se aquele brejeiro de meu filho Simão tivesse honra, não olharia para a prima desse assassino. Cuida o patife que eu consentia que meu filho se ligasse a uma filha de Tadeu de Albuquerque!…» Ainda disse mais coisas que me não lembram; mas eu fiquei sabendo tudo. Ora aqui tem o que houve. Agora apareceu-me aqui vossa senhoria, e a noite passada foi a Viseu. Perdoará a minha confiança: mas vossa senhoria foi falar com a tal menina; e eu estive vai não vai a segui-lo; mas, como ia meu cunhado, que é homem para três, fiquei descansado. Ele contou-me um encontro que vossa senhoria teve à porta do quintal da menina. Se lá torna, senhor Simão, vá preparado para alguma coisa de maior. Eu bem sei que vossa senhoria não é medroso; mas duma traição ninguém se livra. Se quer que eu vá também, estou às suas ordens; e a clavina que deu polícia ao almocreve ainda ali está, e dá fogo debaixo de água, como diz o outro. Mas, se vossa senhoria dá licença que eu lhe diga a minha opinião, o melhor é não andar nessas encamisadas. Se quer casar com ela, vá pedir a seu pai licença, e deixe o resto cá por minha conta; ponto é que ela queira, que eu, num abrir e fechar de olhos, atiro com ela para cima de uma égua de chupeta, que ali tenho, e o pai e mais o primo ficam a ver navios.

– Obrigado, meu amigo – disse Simão. – Aproveitarei os seus bons serviços quando me forem necessários. Esta noite hei-de ir, como fui a noite passada, a Viseu. Se houver novidade, então veremos o que se há-de fazer. Conto com vossemecê, e creia que tem em mim um amigo.

Mestre João da Cruz não replicou. Dali foi examinar miudamente a fecharia da clavina, e entender-se com o cunhado sobre cautelas necessárias, enquanto descarregava a arma, e a carregava de novo com uns zagalotes especiais, que ele denominava «amêndoas de pimpões».

Neste intervalo, Mariana, a filha do ferrador, entrou no sobrado, e disse com meiguice a Simão Botelho:

– Então sempre é certo ir?

– Vou; porque não hei-de ir?!

– Pois Nossa Senhora vá na sua companhia – tornou ela, saindo logo para esconder as lágrimas.





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