Seu pai ouviu-me, e disse-me: «Vai-te embora, que eu farei o que puder.» O caso é, meu fidalgo, que eu saí absolvido, quando muita gente dizia que eu havia de ser enforcado à minha porta. Faz favor de me dizer se eu não devo andar com a cara onde o seu paizinho põe os pés!?
– Tem o senhor João motivo para lhe ser grato, não há dúvida nenhuma.
– Agora faz favor de ouvir o mais. Eu, antes de ser ferrador, fui criado de farda em casa do fidalgo de Castro Daire, que é o senhor Baltasar. Conhece-o vossa senhoria? Ora, se conhece!…
– Conheço de nome.
– Foi ele que me abonou dez moedas de ouro para me estabelecer; mas paguei-lhas, Deus louvado. Há-de haver seis meses que ele me mandou chamar a Viseu, e me disse que tinha trinta peças para me dar, se eu lhe fizesse um serviço. «O que vossa senhoria quiser, fidalgo.» E vai ele disse-me que queria que eu tirasse a vida a um homem. Isto buliu cá por dentro comigo, porque, a falar a verdade, um homem que mata outro num aperto não é matador de ofício, acho eu, não é assim?
– Decerto… – respondeu Simão, adivinhando o remate da história – Quem era o homem que ele queria morto?
– Era vossa senhoria… Ó homem! – disse o ferrador com espanto. – O senhor nem sequer mudou de cor!
– Eu não mudo nunca de cor, senhor João – disse o académico.
– Estou pasmado!
– E vossemecê não aceitou a incumbência, pelo que vejo – tornou Simão.
– Não, senhor; e, então, logo que ele me disse quem era, a minha vontade era pregar-lhe com a cabeça numa esquina.
– E ele disse-lhe a razão por que me mandava matar?
– Não, meu fidalgo; eu lhe conto: Na semana adiante, quando soube que o senhor Baltasar (raios o partam!) tinha saído de Viseu, fui falar com o senhor corregedor, e contei-lhe tudo como se passara. O senhor corregedor esteve a cismar um pouquinho, e disse--me, e vossa senhoria há-de perdoar por eu lhe dizer o que seu pai me disse tal e qual.
– Diga.