Amor de Perdição - Cap. 10: Capítulo 10 Pág. 64 / 145

Duas horas se detivera João da Cruz fora de casa. Chegou quando a curiosidade do estudante era já sofrimento.

– Estará seu pai preso?! – dissera ele a Mariana.

– Não mo diz o coração, e o meu coração nunca me engana – respondera ela. E Simão replicara:

– E que lhe diz o coração a meu respeito, Mariana? Os meus trabalhos ficarão aqui?

– Vou-lhe dizer a verdade, senhor Simão… mas não digo…

– Diga, que lho peço, porque tenho fé no bom anjo que fala em sua alma. Diga…

– Pois sim… O meu coração diz-me que os seus trabalhos ainda estão no começo…

Simão ouviu-a atentamente, e não respondeu. Assombrou-lhe o ânimo esta ideia torva, e afrontosa à singela rapariga: – «Pensará ela em me desviar de Teresa, para se fazer amar?».

Pensava assim quando chegou o ferrador.

– Aqui estou de volta – disse ele com semblante festivo. – Sua mãe mandou-me chamar…

– Já sei… E como soube ela que eu estava aqui?

– Ela sabia que o fidalgo estivera cá; mas cuidava que vossa senhoria já tinha ido para Coimbra. Quem lho disse não sei, nem perguntei; porque a uma pessoa de respeito não se fazem perguntas. Dizia ela que sabia o fim a que o senhor viera esconder-se aqui.

Ralhou alguma coisa; mas eu, cá como pude, acomodei-a, e não há novidade. Perguntou-me o que estava o menino fazendo aqui depois que a fidalguinha fora para o convento. Disse-lhe que vossa senhoria estava adoentado de uma queda que dera do cavalo abaixo. Tornou ela a perguntar-me se o senhor tinha dinheiro; e eu disse que não sabia. E, vai ela, foi dentro, e voltou daí a pouco com este embrulho, para eu lhe entregar. Aí o tem tal e qual; não sei quanto é.

– E não me escreveu?

– Disse que não podia ir à escrivaninha, porque estava lá o senhor corregedor – respondeu com firmeza mestre João – e também recomendou que não lhe escrevesse vossa senhoria senão de Coimbra, por-que se seu pai soubesse que o menino cá estava ia tudo raso lá em casa. Ora aí está.

– E não lhe falou nos criados de Baltasar?

– Nem um pio!… Lá na cidade ninguém já falava nisso hoje.





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