– E que lhe disse da senhora D. Teresa?
– Nada, senão que ela fora para o convento. Agora deixe-me ir amantar a égua, que está a escorrer em fio. Ó rapariga, traz-me cá a manta.
Enquanto Simão contava onze moedas menos um quartinho, maravilhado da estranha liberalidade, Mariana, abraçando o pai no repartimento vizinho da casa, exclamava:
– Arranjou muito bem a mentira!…
– Ó rapariga, quem mentiu foste tu! Aquilo lá o arranjaste tu com essa tua cabecinha! Mas a coisa saiu ao pintar, hein? Ele comeu-a que nem confeitos! Anda lá, que ficaste sem os bezerros; mas lá virá o tempo em que ele te dê bois a troco dos bezerros.
– Eu não fiz isto por interesse, meu pai… – atalhou ela ressentida.
– Olha o milagre! Isso sei eu; mas, como diz lá o ditado: quem semeia colhe.
Mariana quedou pensativa, e dizendo entre si: – Ainda bem que ele não pode pensar de mim o que meu pai pensa. Deus sabe que não tenho esperanças nenhumas interesseiras no que fiz.
Simão chamou o ferrador, e disse-lhe:
– Meu caro João, se eu não tivesse dinheiro, aceitava sem repugnância os seus favores, e creio que vossemecê mos faria sem esperança de ganhar com eles; mas, como recebi esta quantia, há-de consentir que eu lhe dê parte dela para os meus alimentos. Motivos de gratidão a dívidas que se não pagam, ainda me ficam muitos para nunca me esquecer de si e da sua boa filha. Tome este dinheiro.
– As contas fazem-se no fim – respondeu o ferrador, retirando a mão – e ninguém nos há-de ouvir, se Deus quiser. Precisando eu de dinheiro, cá venho. Por ora, ainda está a capoeira cheia de galinhas, e o pão coze-se todas as semanas.
– Mas aceite – instou Simão – e dê-lhe a aplicação que quiser.
– Em minha casa ninguém dá leis senão eu – replicou mestre João, com simulado enfadamento. – Guarde lá o seu dinheiro, fidalgo, e não falemos mais nisso, se quer que o negócio vá direito até ao fim. E victo serio!