Coisas que só eu sei - Cap. 6: VI Pág. 27 / 51

VI

Carlos relera, com sôfrega ansiedade, a singela expansão de uma alma que, talvez, nunca se abrira, se a não rasgasse o espinho de um martírio surdo. Henriqueta não escrevia assim uma carta a um homem, que pudesse consolá-la. Afeita a gemer no silêncio, e na solidão, tornava-se como egoísta das suas dores, e supunha que divulgá-las era esfolhar a mais bela flor da sua coroa de mártir. Escreveu, porque a sua carta era um mito de segredo e publicidade; porque a sua aflição não rastejava pelos queixumes lamuriantes e triviais de um grande número de mulheres, que não choram nunca a viuvez do coração, e lastimam sempre a demora das segundas núpcias; escreveu enfim, porque a sua dor, sem desonrar-se com uma publicidade estéril, interessava um coração, esposava uma simpatia, um sofrimento simultâneo, e, quem sabe mesmo, se uma nobre admiração! Há mulheres vaidosas - deixem-me assim dizer - da fidalguia do seu sofrer. Risonhas para o mundo, é muito sublime aquela angústia represada que só pode extravasar os sobejos do seu fel em uma carta anónima. Lagrimosas para si, e fechadas no círculo estreito que a sociedade lhes traça como o compasso inexorável das conveniências, essas sim, são duas vezes anjos despenhados! Quem pudesse receber na taça de suas lágrimas algumas que aí se choram, e que a opulência material não enxuga, experimentaria consolações de um sabor novo. O padecimento que se esconde impõe o respeito religioso do augusto mistério desta religião universal, simbolizada pelo sofrimento comum. O homem que pudesse verter uma gota de orvalho na aridez de algum coração, seria o sacerdote providencial no tabernáculo de um espírito superior, que velasse a vida da terra para que tamanhas agonias não fossem estéreis na vida do céu.





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