Então o Silvério teve um brado de terror:
- Mas então, Excelentíssimo Senhor, é uma revolução. E como nós, irresistivelmente, ríamos dos seus olhos esgazeados de horror, dos seus imensos braços abertos para trás, como se visse o mundo desabar, - o bom Silvério encavacou:
- Ah! Vossas Excelências riem? Casas para todos, mobílias, pratas, bragal, dez contos de réis! Então também eu rio! Ah! ah! ah! Ora viva a bela chalaça!... Vai aqui uma bela risota.
E subitamente, numa profunda mesura, como declinando toda a responsabilidade naquela extravagância magnífica:
- Enfim, Vossa Excelência é quem manda! - Está mandado, Silvério. E também quero saber as rendas que paga essa gente, os contratos que existem,
para os melhorar. Há muito que melhorar. Venha você almoçar connosco. E conversamos.
Tão saturado de espanto estava o Silvério, que nem recebeu mais espanto com essa «melhoria de rendas». Agradeceu o convite, penhorado. Mas pedia licença a Sua Excelência para passar primeiramente pelo lagar, para ver os carpinteiros que andavam a consertar a trave da mó. Era um instante, e já estava às ordens de Sua Excelência.
Meteu logo por um atalho, saltando um cancelo. E nós seguimos, com passos que eram ligeiros, pela hora do almoço que, se retardara, pelo azul alegre que reaparecia, e por toda aquela justiça feita à pobreza da serra.
Não, perdeste hoje o teu dia, Jacinto - disse eu, batendo, com uma ternura que não disfarcei, no ombro do meu amigo.
- Que miséria, Zé Fernandes, eu nem sonhava... Haver por aí, à vista da minha casa, outras casas, onde crianças têm fome! É horrível...
Estávamos entrando na alameda de faias. Um raio de sol, saindo de entre duas grossas, algodoadas nuvens, passou sobre uma esquina do casarão ao fundo, uma viva tira de ouro.