A Cidade e as Serras - Cap. 10: CAPÍTULO X Pág. 186 / 238

e alguma roupa.

Então o Silvério teve um brado de terror:

- Mas então, Excelentíssimo Senhor, é uma revolução. E como nós, irresistivelmente, ríamos dos seus olhos esgazeados de horror, dos seus imensos braços abertos para trás, como se visse o mundo desabar, - o bom Silvério encavacou:

- Ah! Vossas Excelências riem? Casas para todos, mobílias, pratas, bragal, dez contos de réis! Então também eu rio! Ah! ah! ah! Ora viva a bela chalaça!... Vai aqui uma bela risota.

E subitamente, numa profunda mesura, como declinando toda a responsabilidade naquela extravagância magnífica:

- Enfim, Vossa Excelência é quem manda! - Está mandado, Silvério. E também quero saber as rendas que paga essa gente, os contratos que existem,

para os melhorar. Há muito que melhorar. Venha você almoçar connosco. E conversamos.

Tão saturado de espanto estava o Silvério, que nem recebeu mais espanto com essa «melhoria de rendas». Agradeceu o convite, penhorado. Mas pedia licença a Sua Excelência para passar primeiramente pelo lagar, para ver os carpinteiros que andavam a consertar a trave da mó. Era um instante, e já estava às ordens de Sua Excelência.

Meteu logo por um atalho, saltando um cancelo. E nós seguimos, com passos que eram ligeiros, pela hora do almoço que, se retardara, pelo azul alegre que reaparecia, e por toda aquela justiça feita à pobreza da serra.

Não, perdeste hoje o teu dia, Jacinto - disse eu, batendo, com uma ternura que não disfarcei, no ombro do meu amigo.

- Que miséria, Zé Fernandes, eu nem sonhava... Haver por aí, à vista da minha casa, outras casas, onde crianças têm fome! É horrível...

Estávamos entrando na alameda de faias. Um raio de sol, saindo de entre duas grossas, algodoadas nuvens, passou sobre uma esquina do casarão ao fundo, uma viva tira de ouro.





Os capítulos deste livro