O Crime do Padre Amaro - Cap. 10: Capítulo 10 Pág. 175 / 478

O que a odiava! - menos que ao outro porém, o outro que triunfava porque era um homem, tinha a sua liberdade, o seu cabelo todo, o seu bigode, um braço livre para lhe dar na rua! Repastava então a imaginação rancorosamente nas visões de felicidade do escrevente: via-o trazendo-a da igreja triunfantemente; via-o beijando-lhe o pescoço e o peito... E a estas ideias dava patadas furiosas no soalho - que assustavam a Vicência na cozinha

Depois procurava sossegar, retomar a direção das suas faculdades, aplicá-las todas a achar uma vingança, uma boa vingança! E voltava então o antigo desespero de não viver no tempo da Inquisição, e com uma denúncia de irreligião ou de feitiçaria, mandá-los ambos para um cárcere. Ah! nesse tempo um padre gozava! Mas agora, com os senhores liberais, tinha de ver aquele miserável escrevente a seis vinténs por dia apoderar-se lhe da rapariga - e ele, sacerdote instruído, que podia ser bispo, que podia ser papa, tinha de vergar os ombros e ruminar solitariamente o seu despeito! Ah! se as maldições de Deus tinham algum valor - malditos fossem eles! Queria vê-los cheios de filhos, sem pão na prateleira, com o último cobertor empenhado, ressequidos de fome, injuriando-se, - e ele a rir-se, ele a regalar-se!...

* * *

Na segunda-feira não se conteve, foi à Rua da Misericórdia. A S. Joaneira estava embaixo na saleta com o cônego Dias. E apenas viu Amaro:

- Oh! senhor pároco, bem aparecido! Estava a falar em V. Sa ! Já estranhava não o vermos, agora que há alegria em casa.

- Já sei, já sei, murmurou Amaro pálido.

- Alguma vez havia de ser, disse o cônego jovialmente. Deus os faça felizes e lhes dê poucos filhos, que a carne está cara.

Amaro sorriu - escutando em cima o piano.

Era Amélia que tocava como outrora a valsa dos Dois Mundos; e João Eduardo, muito chegado a ela, voltava as folhas da música.





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