O Crime do Padre Amaro - Cap. 11: Capítulo 11 Pág. 195 / 478

O padre Amaro, curvado quase ao ouvido da entrevada, exortava-a a que se abandonasse à Misericórdia divina; mas vendo que ela não compreendia, ajoelhou, recitou rapidamente o Misereatur; e no silêncio, a sua voz erguendo-se nas sílabas latinas mais agudas, dava uma sensação de enterro que enternecia, fazia soluçar as duas senhoras. Depois ergueu-se, molhou o dedo nos santos óleos; murmurando as expressões penitentes do ritual ungiu os olhos, o peito, a boca, as mãos - que há dez anos só se moviam para chegar a escarradeira, e as plantas dos pés que há dez anos só se aplicavam a buscar o calor da botija. E depois de queimar as bolinhas de algodão húmidas de óleo, ajoelhou-se, ficou imóvel, com os olhos postos no Breviário.

João Eduardo voltou em pontas de pés à sala, sentou-se no mocho do piano: agora decerto, durante quatro ou cinco semanas, Amélia não tornaria a tocar... E uma melancolia amoleceu-o, vendo no doce progresso do seu amor aquela brusca interrupção da morte e dos seus cerimoniais.

A Sra. D. Maria entrou então, toda transtornada daquela cena - e seguida de Amélia que trazia os olhos muito vermelhos.

- Ah! ainda bem que aqui está, João Eduardo! disse logo a velha. Que quero que me faça um favor, que é acompanhar-me a casa... Estou toda a tremer... Estava desprevenida, e com perdão de Deus seja dito, não posso ver gente na agonia... Que ela, coitadinha, vai-se como um passarinho... E pecados não os tem... Olhe, vamos pela Praça que é mais perto. E desculpe... Tu, filha, dispensa, mas não posso ficar... É que me dava a dor... Ai! que desgosto... Que para ela até é melhor... Pois olhem, sinto- me a desfalecer...

Foi mesmo necessário que Amélia a levasse a baixo, ao quarto da S. Joaneira, a reconfortá-la caridosamente com um cálice de jeropiga.

- Ameliazinha, disse então João Eduardo, se eu sou cá necessário para alguma coisa...

- Não, obrigada. Ela está por instantes, coitadinha...





Os capítulos deste livro