O Crime do Padre Amaro - Cap. 14: Capítulo 14 Pág. 242 / 478

- E é o que te há-de suceder!... Tu tens ideias menos más a respeito da religião, mas ainda te hei-de ver de opa vermelha e círio na procissão do Senhor dos Passos... Filosofia e ateísmo não custam nada quando se conversa no bilhar entre rapazes... Mas praticá-los em família, quando se tem uma mulher bonita e devota, é o diabo! É o que te há-de suceder, se é que te não vai sucedendo já hás-de atirar as tuas convicções liberais para o caixão do cisco, e fazer barretadas ao confessor da casa!

João Eduardo fazia-se escarlate de indignação. Mesmo nos tempos da sua felicidade, quando tinha Amélia certa, aquela acusação (que o tipógrafo fazia só para questionar, para palrar) tê-lo-ia escandalizado. Mas hoje! Justamente quando ele perdera Amélia por ter dito de alto, num jornal, o seu horror a beatos! Hoje que se achava ali, com o coração partido, roubado de toda a alegria, exatamente pelas suas opiniões liberais!...

- Isso dito a mim tem graça! disse com uma amargura sombria.

O tipógrafo galhofou:

- Homem, não me constou ainda que fosses um mártir da liberdade!

- Por quem és não apoquentes, Gustavo, disse o escrevente muito chocado. Tu não sabes o que se tem passado. Se soubesses não me dizias isso!

Contou-lhe então a história do Comunicado - calando todavia que o escrevera num fogo de ciúmes, e apresentando-o como uma pura afirmação de princípios... E que notasse esta circunstância, ia então casar com uma rapariga devota, numa casa que era mais frequentada por padres que a sacristia da Sé...

- E assinaste? perguntou Gustavo, espantado da revelação.

- O doutor Godinho não quis, disse o escrevente corando um pouco.

- E deste-lhes uma desanda, hem?

- A todos, de rachar!

O tipógrafo, entusiasmado, berrou por "outra de tinto"!

Encheu os copos com transporte, bebeu uma grande saúde a João Eduardo.





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