O Crime do Padre Amaro - Cap. 3: Capítulo 3 Pág. 25 / 478

Começaram a tratá-lo por tu, a admiti-lo, durante as horas de recreio ou nos passeios do domingo, às conversas em que se contavam anedotas dos mestres, se caluniava o reitor, e perpetuamente se lamentavam as melancolias da clausura: porque quase todos falavam com saudade das existências livres que tinham deixado: os da aldeia não podiam esquecer as claras eiras batidas do sol, as esfolhadas cheias de cantigas e de abraços, as filas da boiada que recolhe, enquanto um vapor se exala dos prados; os que vinham das pequenas vilas lamentavam as ruas tortuosas e tranquilas de onde se namoravam as vizinhas, os alegres dias de mercado, as grandes aventuras do tempo em que se estuda latim. Não lhes bastava o pátio do recreio lajeado, com as suas árvores definhadas, os altos muros sonolentos, o monótono jogo da bola: abafavam na estreiteza dos corredores, na sala de Santo Inácio, onde se faziam as meditações da manhã e se estudavam à noite as lições; e invejavam todos os destinos livres ainda os mais humildes - o almocreve que viam passar na estrada tocando os seus machos, o carreiro que ia cantarolando ao áspero chiar das rodas, e até os mendigos errantes, apoiados ao seu cajado, com o seu alforje escuro.

Da janela dum corredor via-se uma volta de estrada: à tardinha uma diligência costumava passar, levantando a poeira, entre os estalidos do chicote, ao trote das três éguas, carregadas de bagagem; passageiros alegres, que levavam os joelhos bem embrulhados, sopravam o fumo dos charutos; quantos olhares os seguiam! quantos desejos iam viajando com eles para as alegres vilas e para as cidades, pela frescura das madrugadas ou sob a claridade das estrelas!

E no refeitório, diante do escasso caldo de hortaliça, quando o regente de voz grossa começava a ler monotonamente as cartas de algum missionário da China ou as Pastorais do senhor bispo, quantas saudades dos jantares de família!





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