O Crime do Padre Amaro - Cap. 17: Capítulo 17 Pág. 315 / 478

E agora, enfim, tinha ali aos seus pés aquele corpo, aquela alma, aquele ser vivo sobre quem reinava com despotismo. Se passava os seus dias, por profissão, louvando, adorando e incensando Deus, - era ele também agora o Deus duma criatura que o temia e lhe dava uma devoção pontual. Para ela ao menos, era belo, superior aos condes e aos duques, tão digno da mitra como os mais sábios. Ela mesma, um dia, dissera-lhe, depois de ter estado um momento pensativa:

- Tu podias chegar a papa!

- Desta massa se fazem, respondeu ele com seriedade.

Ela acreditava-o - com um receio, todavia, que as altas dignidades o afastassem dela, o levassem para longe de Leiria. Aquela paixão, em que estava abismada e que a saturava, tomara-a estúpida e obtusa a tudo o que não respeitava ao senhor pároco ou ao seu amor. Amaro de resto não lhe consentia interesses, curiosidades alheias à sua pessoa. Proibia-lhe até que lesse romances e poesias. Para que se havia de fazer doutora? Que lhe importava o que ia no mundo? Um dia que ela falara, com algum apetite, dum baile que iam dar os Vias-Claras, ofendeu-se como duma traição. Fez- lhe em casa do tio Esguelhas acusações tremendas: era uma vaidosa, uma perdida, uma filha de Satanás!...

- Mas mato-te! Percebes? Mato-te! exclamou agarrando-lhe os pulsos, fulminando-a com o olhar aceso.

Tinha um medo, que o pungia, de a ver subtrair-se ao seu império, perder-lhe a adoração muda e absoluta. Pensava às vezes que ela se fatigaria, com o tempo, dum homem que não lhe satisfazia as vaidades e os gostos de mulher, sempre metido na sua batina negra, com a cara rapada e a coroa aberta. Imaginava que as gravatas de cores, os bigodes bem torcidos, um cavalo que trota, um uniforme de lanceiros exercem sobre as mulheres uma fascinação decisiva.





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