O Crime do Padre Amaro - Cap. 21: Capítulo 21 Pág. 389 / 478

Percebera bem ao princípio que tinha diante de si uma dessas degenerações mórbidas do sentimento religioso, que a teologia chama Doença dos escrúpulos - e de que na sua generalidade estão afetadas hoje todas as almas católicas; mas depois, a certas revelações da velha, receou estar realmente em presença duma maníaca perigosa; e instintivamente, com o singular horror que os sacerdotes têm pelos doidos, recuou a cadeira.

Pobre D. Josefa! Logo na primeira noite em que chegara é Ricoça (contava ela), ao começar o rosário a Nossa Senhora, lembra-lhe de repente que lhe esquecera o saiote de flanela escarlate, que era tão eficaz nas dores das pernas... Trinta e oito vezes de seguida recomeçara o rosário, e sempre o saiote escarlate se interpunha entre ela e Nossa Senhora!... Então desistira, de exausta, de esfalfada. E imediatamente sentira dores vivas nas pernas, e tivera como uma voz de dentro a dizer-lhe que era Nossa Senhora por vingança a espetar-lhe alfinetes nas pernas...

O abade pulou:

- Oh minha senhora!...

- Ai, não é tudo, senhor abade!

Havia outro pecado que a torturava: quando rezava, às vezes, sentia vir expectoração; e, tendo ainda o nome de Deus ou da Virgem na boca, tinha de escarrar; ultimamente engolia o escarro, mas estivera pensando que o nome de Deus ou da Virgem lhe descia de embrulhada para o estômago e se ia misturar com. as fezes! Que havia de fazer?

O abade, de olhar esgazeado, limpava o suor da testa.

Mas isto não era o pior: o grave era, que na noite antecedente, estava toda sossegada, toda em virtude, a rezar a S. Francisco Xavier - e de repente, nem ela soube como, pôs-se a pensar como seria S. Francisco Xavier nu em pêlo!

O bom Ferrão não se moveu, atordoado. Enfim, vendo-a olhar ansiosa para ele à espera das suas palavras e dos seus conselhos, disse:

- E há muito que sente esses terrores, essas dúvidas...?

- Sempre, senhor abade, sempre!





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