O Crime do Padre Amaro - Cap. 22: Capítulo 22 Pág. 412 / 478

Amélia, ao princípio, à hora da visita, fechava-se no seu quarto, tremendo à ideia de ver o seu estado descoberto pelo velho doutor Gouveia, o médico da casa, aquele homem duma severidade legendária. Mas enfim fora necessário aparecer no quarto da velha, para receber as suas instruções de enfermeira sobre as horas dos remédios e as dietas. E um dia que acompanhara o doutor até à porta, ficou gelada, vendo-o parar, voltar-se para ela cofiando a sua grande barba branca que lhe caía sobre o jaquetão de veludo, e dizer-lhe sorrindo:

- Eu bem tinha dito a tua mãe que te casasse!

Duas lágrimas saltaram-lhe dos olhos.

- Bem, bem, pequena, não te quero mal por isso. Estás na verdade. A natureza manda conceber, não manda casar. O casamento é uma fórmula administrativa...

Amélia olhava-o, sem o compreender, com as duas lágrimas muito redondinhas a correrem-lhe devagar pela face. Ele bateu-lhe com os dedos no queixo, muito paternal:

- Quero dizer que, como naturalista, regozijo-me. Acho que te tornaste útil à ordem geral das coisas. Vamos ao que importa...

Deu-lhe então conselhos sobre a higiene que devia ter.

- E quando chegar a ocasião, se te vires atrapalhada, manda-me chamar...

Ia descer; Amélia deteve-o, e com uma suplicação assustada:

- Mas o senhor doutor não vai dizer nada na cidade...

O doutor Gouveia parou:

- Então não é estúpida?... Está bom, também to perdoo. Está na lógica do teu temperamento. Não, não digo nada, rapariga. Mas para que diabo, então, não casaste tu com esse pobre João Eduardo? Fazia-te tão feliz como o outro, e já não tinhas de pedir segredo... Enfim, isso para mim é um detalhe secundário... O essencial é o que te disse... Manda-me chamar. Não te fies muito nos teus santos... Eu entendo mais disso que Santa Brígida ou lá quem é. Que tu és forte, e hás-de dar um bom mocetão ao Estado.





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