O Crime do Padre Amaro - Cap. 4: Capítulo 4 Pág. 55 / 478

Mas chegara a hora do loto. Cada um escolhia os seus cartões habituais; e a Sra. D. Josefa Dias, com o seu olho de avara a luzir, chocalhava já vivamente o grosso saco dos números.

- Aqui tem um lugar, senhor pároco, disse Amélia.

Era junto dela. Ele hesitou; mas tinham aberto espaço, e veio sentar- se um pouco corado, ajeitando timidamente a volta.

Fez-se logo um grande silêncio; e, com a voz dormente, o cônego começou a tirar os números. A Sra. D. Ana Gansoso dormitava ao seu canto, ressonando ligeiramente.

Com o abajur as cabeças estavam na penumbra; e a luz crua, caindo sobre o xale escuro que cobria a mesa, fazia destacar os cartões enegrecidos do uso, e as mãos secas das velhas, pousadas em atitudes aduncas, remexendo as marcas de vidro. Sobre o piano aberto a vela derretia-se com uma chama alta e direita.

O cônego rosnava os números com as pilhérias veneráveis da tradição: 1, cabeça de porco! - 3, figura de entremês!

- Precisa-se o vinte e um, dizia uma voz.

- Temei - murmurava outra com gozo.

E a irmã do cônego, sôfrega:

- Chocalhe esses números, mano Plácido! Vá!

- E traga-me esse quarenta e sete ainda que seja de rastos, dizia o Artur Couceiro, com a cabeça entre os punhos.

Enfim o cônego quinou. E Amélia olhando em redor pela sala:

- Então não joga, Sr. João Eduardo? disse ela. Onde está?

João Eduardo saiu da sombra da janela, por trás da cortina.

- Tome lá este cartão, ande, jogue.

- E receba as entradas, já que está de pé, disse a S. Joaneira. Seja o senhor recebedor!

João Eduardo foi em roda com o pires de porcelana. No fim faltavam dez réis.

- Eu já dei, eu já dei! exclamavam todos, excitados.





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